A BOA NOTÍCIA
Enquanto estava sentada à minha mesa, ergui os olhos para o
ecrã da televisão ao escutar: “…e agora uma boa notícia”. Esperei ansiosamente
por escutá-la, com o desejo de me alegrar com a vitória ou nova esperança de
alguém, afinal, é suposto que boas notícias despertem esse tipo de sentimento. Enquanto
os meus olhos acompanhavam os movimentos da personagem principal no ecrã, os
meus ouvidos escutavam cada palavra atentamente. O meu pensamento e emoções se
colocaram em posição e expectação de a receber. No entanto aquilo que deveria ser
um carrossel de entusiasmo que cresce até atingir o seu clímax, se tornou numa
autêntica descida angustiante de palavras que culminaram numa autêntica
tristeza, por afinal, ouvir uma suposta boa notícia transvestida da pior notícia
de todas.
Mas deixem-me explicar, para se tornar mais claro, não porque
queira contagiar-vos com o mesmo tipo de angústia que senti, mas para vos
ajudar a escapar da ilusão que, tão bem disfarçada, nos é servida diariamente. A história é sobre uma renomada pianista que
em certo tempo, em certo lugar iria executar um concerto de Mozart. Durante a
atuação, ao dar o primeiro acorde, a pianista se apercebe que a peça de Mozart
que havia treinado durante tempos não era a peça correta. Em meio ao choque e
pânico, a pianista demonstra a sua perplexidade e consternação pelos seus
gestos e expressões. À sua frente, o maestro afirmava a sua capacidade, baseado
no fato de que a pianista já havia tocado a peça na temporada anterior. Pelas
palavras da pianista o que pesou para a sua decisão, naquela hora, foi “a fé - não
uma fé religiosa ou em Deus”, como declarou convictamente. Ela era uma mulher
esforçada e exigente consigo mesma, adornada de grande talento. Por que não avançar
em fé? Assim a pianista ousada e crente em si, vence o medo e toca a peça de
Mozart, fato que lhe valeu uma ovação. Essa era a tal da “boa notícia”: a
pianista que teve fé em si mesma deixando um convite para todos os receptores
da “boa notícia”.
Não sou pianista e estou longe de ter dotes musicais. Mas não
se trata de música; é muito mais do que isso. Na história da pianista eu vi a minha
própria história, mas contada de forma distorcida. Era eu como a pianista
perante o Maestro; era eu a que me esforcei e trabalhei arduamente durante horas
e, no primeiro acorde, percebi que todo o meu esforço tinha sido em vão, pois
não trenei a composição certa. Distraída na minha composição estava tocando
outra melodia que não a do Maestro. Fiquei desesperada ao perceber do meu trágico
erro. Ao contrário da pianista da notícia, eu sabia que não seria capaz de
tocar a melodia certa, pois ela estava muito além do meu esforço ou trabalho árduo.
Eu não conhecia os seus acordes e não sabia respeitar as suas pausas. Eu sabia
que aquilo me colocaria do lado de fora. A minha atuação arruinar-me-ia para
sempre. Foi quando o Maestro pediu permissão para tomar o meu lugar. Foi aí que
precisei de confiar nas suas mãos ou em minhas próprias mãos. Precisei deixar
que meus dedos se curvassem e que meu corpo se inclinasse para o lado para que Ele
tomasse o meu lugar, se sentasse do meu lado e tocasse aquilo que eu seria
incapaz de fazer. Ao confiar em sua maestria meus dedos ganharam vida e o meu
entendimento iluminou-se para a compreensão daquela composição celestial. Não
era Mozart; era um som do Céu. Ao lado do Maestro eu toquei, mas só porque Ele
estava ali. Quando eu me levantei me aplaudiram, mas só porque Ele estava ali.
Naquele dia o que me salvou sim foi a fé, não em mim mesma mas no Maestro do
Universo, o meu Deus.
Não se trata de música, trata-se em quem confiamos. Uns confiam
que conseguem tocar Mozart, outros que cozinham com estrelas Michelin, outros
fazem proezas inacreditáveis com suas habilidades físicas… Todos são dignos de
mérito e aplausos pelo seu esforço. Mas, no que toca às coisas do Céu, quero
ver alguém fazer tal proeza. Na verdade, tudo tem haver com o Céu, em quem confiamos
afinal? Somos dotados de talentos e capacidades pelo Maestro do Universo, mas
andamos a tocar outras melodias. Tentamos, com nosso rigor e esforço humano,
impressionar o Compositor da História musical
da Criação, mas falhamos redondamente logo no primeiro acorde.
O pior de tudo é quando teimamos em confiar em nossa profunda
fraqueza e continuamos a tocar o som do nosso esforço humano, abandonando a
composição do Céu. Ficamos felizes pelas ovações humanas e iludidos com o som
dos aplausos. Tocamos para os nossos maestros terrenos, para sermos
reconhecidos em composições mortais, abandonando o espetáculo da eternidade.
Queremos ter mérito e, por isso, recusamos a graça. Não aceitamos reconhecer a
nossa alienação e lutamos por nós mesmos por medalhas efémeras ou coroas de
louro.
A pior notícia de todas: temos fé em nós mesmos, e por isso
fomos colocados do lado de fora. Falhamos redondamente nas questões do Céu e
pensamos que somos vitoriosos porque alguém nos aplaude num canto da terra.
Mas há uma boa notícia, sim de fato ela existe. Não é aquela
exposta nas vitrines do presente século. A boa notícia é: a riqueza da Graça Encarnada.
Deus desceu, tomou o lugar do nosso falhanço e tocou, entre nós, os acordes do Céu.
A terra encheu-se da música da Eternidade. A Melodia da Humanidade perfeita tornou-se
homem e viveu entre nós. Perante Ele, ninguém fica indiferente: ou reconhecemos
o falhanço do nosso esforço humano e confiamos em sua Maestria, ou continuamos a
tocar melodias dissonantes com aplausos que logo nos deixam na solidão de nossa
própria glória vazia.
Que grande riqueza de graça nos foi dada a nós, homens tão tragicamente
soberbos. Quantas vezes não a trocamos pelos sons dos nossos acordes de labuta
humana? Quantos de nós têm perdido o prazer de ouvir o som da graça? Som que coloca
o nosso desempenho curvado perante o amor d´Aquele que toca a composição perfeita
de acordes, para que, com Ele, sejamos aplaudidos e com Ele possamos dançar ao
som da verdadeira Boa Notícia.
Sara Rosa
Créditos: Foto de Bryan Geraldo:
https://www.pexels.com/pt-br/foto/fotografia-macro-de-piano-586415/
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